Aquela foi minha última noite com minha amiga Aurelie, debaixo de um céu salpicado de estrelas na pequena cala D’Aiguafrena, como as pequenas praias de pedras da Catalunha são chamadas. Conversamos sobre a vida, fizemos listas de projetos e de viagens. Era auge do verão no hemisfério norte e a Costa Brava, pedaço do Mediterrâneo aos pés dos Pirineus, estava repleta de gente vivendo dolce far niente à beira daquele mar tão antigo quanto belo.
O mar trouxe lembranças da minha infância e adolescência, preciosas memórias banhadas pelas ondas bravas do Atlântico. Nos meus primeiros verões, ia com meus pais para uma praia quase vazia, onde, como um personagem de Saint-Exupéry, eu tinha um planeta só para mim. Lá, crianças eram exploradores e astronautas, construíam jangadas para chegar na ilha dos Lobos com a mesma convicção que chegariam à Lua em espaço-naves na areia. Anos depois, mudamos para uma praia mais movimentada, palco da minha adolescência e dos eternos e passageiros amores de verão.
De um breve cochilo, acordei num paraíso, olhando duas irmãs francesas se fotografarem. Deitadas na areia grossa da pequena cala Golfet, as adolescentes se olhavam cúmplices, riam e brincavam como crianças de corpos adultos e parecidos. Passei horas no mar naquela tarde. Sempre amei ficar no mar e naquelas águas recortadas entre rochedos não seria diferente. Leve e em paz, deitei numa pedra para escrever o que acontecia em volta.
“Uma mulher linda mergulhava. Corpo esguio e esbelto, seios médios, cabelos castanho escuro, olhos grandes e bem abertos, azuis como o céu. Boca larga, lábios médios e nariz proeminente, traços tipicamente catalães. De bikini azul topázio combinando com a nadadeira ela emergiu do mar de mesma cor segurando dois troféus, dois polvos que virariam um belo risoto acompanhados de vinho branco, supus. Suas costas bronzeadas mostravam as marcas das ventosas dos bichos que a seguraram com força para tentar fugir da panela. Adoraria, naquele momento, estar no lugar deles. Pulpos afortunados, pensei.”
Logo, o sol se despediu numa cerimônia breve, suficiente para juntarmos nossas coisas e procurarmos outro lugar para passar a noite, para tomar Gin&Tonica, vinho branco, comer deliciosos frutos do mar e terminar com cremat, café catalão flambado em rum. Bebi com muito prazer e pouca moderação naqueles dias.
Sa Tuna fica numa pequena baía de pedras entre um paredão ocre e uma vila de pescadores. À direita uma imensa rocha escavada pelo mar, à esquerda uma coleção de fachadas que escondem um labirinto de ruelas e escadarias. Nas águas calmas dormem centenas de barcos de pesca e pequenos veleiros e, junto às primeiras casas, ficam amarrados os botes que levam até eles. Os restaurantes estavam cheios e foi impossível comer tallarinas, delicioso e concorrido molusco no meu jantar de despedida.
Já estava com saudades quando deixamos Sa Tuna para trás e viramos à esquerda para Aiguafrena tendo apenas uma brisa leve como testemunha. Dias especiais e mágicos se encerravam e deixei a Costa Brava entendendo o caso de amor que os catalães tem com ela. Na bagagem, levava embora uma vontade imensa de retornar para a Laguna amada da minha infância.
Comentários