A Dama do Mar.
Eu praticamente não sabia nada sobre Eilean quando cheguei em San Remo, no litoral italiano para fotografa-la. Propositalmente, não estudei a história deste veleiro armado em ketch construído em 1936 pelo lendário Willian Fife III e totalmente restaurado pela Panerai, nos anos 2000. Sabendo que na cultura náutica os barcos são tratados por pronomes femininos, fui literalmente ao encontro de uma dama septuagenária, totalmente em forma. Uma alma antiga, repleta de histórias e pronta para qualquer travessia oceânica.
“Sim, ela existe!” Foi meu primeiro pensamento, quando li EILEAN cravado em dourado na popa. Minha segunda memória é me perguntar como iria fotografar a alma daquele veleiro. Por mais que a matéria para qual eu estava ali pedisse uma abordagem sobre luxo, percebi que não seria nos mimos da tripulação, nem na cordialidade do time Panerai, muito menos nos por menores revelados na delicadeza da porcelana ou no linho da roupa de cama que eu a encontraria. A resposta não viria fácil.
Fotógrafos têm uma atração inexplicável pela forma como a luz se espalha e eu estava ansioso para ver o sol mediterrâneo passeando gentilmente pelo casco de Eilean. Levantei da cama antes da tripulação para caminhar pelo deck, sentir sua textura, entender como a luz naquele paralelo do planeta interagia com a madeira, com os metais, com os cordames e com as velas e os primeiros raios de sol revelaram contornos, detalhes e sombras, muito além dos seus impressionantes números.
Já tinha feito algumas fotos quando a tripulação acordou e começou as funções do barco. Eilean requer uma concentrada e metódica carga de trabalho matinal, limpando e lustrando cada centímetro da sua estrutura, polindo todas as peças de cobre, do convés ao porão. O barco é hoje um embaixador da Officine Panerai, participando de eventos náuticos no Mediterrâneo e no Caribe. A relação entre Eilean e Panerai não se resume apenas à fascinante história de restauração. 1936, ano de construção do veleiro marca também o lançamento do primeiro protótipo do Radiomir, relógio desenvolvido pela Panerai para os homens-rãs da marinha italiana entre as duas Guerras Mundiais.
O cuidado com a embarcação, as vezes evidente, como os mostradores no salão principal, ou os pequenos gestos de amor e carinho da tripulação para com Eilean ficou bastante claro quando os marinheiros começaram a içar as velas, trabalho de força e concentração desempenhado com primor e fino trato. Cada nó feito, cada amarra solta é executada com a mesma perfeição presente no design de Fife ou nos instrumentos Panerai. Ao final, entendi que tudo ali estava conectado e em perfeita sintonia. O pouco vento daquele dia ensolarado soprava nas velas principais e na mezena, impulsionando o conjunto todo como se fosse uma pequena casca de noz deslizando suave pela na imensidão azul da Ligúria. As cores mudavam lentamente do azul-violeta para o laranja-avermelhado à medida que Eilean se aproximava do final do dia e fazia seu percurso de volta à marina. E assim também foi no dia seguinte, atracando em portos e arrancando suspiros, uma jovem-senhora conquistadora de corações de marinheiros experientes e entusiastas como eu.
Ao final daquela viagem eu sabia que o coração de Eilean estava feliz no Mediterrâneo e que Fife III não poderia imaginar melhor destino para seu mais belo barco do que a Itália. Ao me despedir, lembrei do final da peça A Dama do Mar, quando Elida, uma mulher que casou por obrigação obtém a liberdade para fugir, mas escolhe ficar por sua própria vontade e felicidade.
Publicado na Revista Iate, 41, Outubro de 2016.
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